Gilberto Gil é Gremista:
O centenário do primeiro negro com a camisa gremista
Postado em 19/5/2012 blicado em Esportes - Correio do PovoO dia 19 de maio de 2012 é uma data histórica!
Há exatos cem anos o ground da Baixada encontrava-se alagado, mas naquele domingo cinzento, todos queriam jogar. As longas caminhadas que os jovens faziam para poderem desfrutar de momentos esportivos com uma pelota encantava a todos na cidade, não importava se estes se deparavam com um pouco de barro ou algumas poças d’água num campo de futebol.
As equipes do Grêmio, o Porto-Alegrense da época, haviam acertado duas partidas contra o Nacional, a partida inicial – conhecida hoje como preliminar- seria disputada pelo “segundo quadro” e a partida principal valeria para o campeonato da Liga Porto-Alegrense.
O estado do gramado chegou a ser motivo de discussão devido aos adiamentos das partidas. Uma resolução permitiria então, a transferência dos jogos para o domingo seguinte. No entanto, o capitão do segundo quadro do Nacional exigiu que a partida fosse realizada.
Então, de comum acordo, o Sr. Mendonça, juiz do Internacional, escolhido para os matches daria condições para que as partidas se realizassem.
A primeira partida terminou com resultado de 9×2 para o Grêmio e a segunda com o placar de 8×0, mesmo com a interrupção aos 28 minutos da segunda etapa, devido falta de luz natural.
Mas não são os scores, muito menos a partida principal o foco deste texto.
A equipe que entrou em campo na partida preliminar era formada basicamente por jogadores, associados do clube do ano vigente e do ano anterior (1911 e 1912). E lá estava ele: Antunes.
Antunes não foi apenas um dos jogadores a vencer o Nacional, mas sim, o primeiro negro a vestir a camisa do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense.
Segundo meus estudos, seu nome completo seria Armando Luiz Antunes, um negro, associado do Grêmio, o maior clube da cidade.
É complexo definir uma raça, definir o branco, o mulato, o pardo, o negro. No passado, o homem de raça escura buscava no “branqueamento”, no disfarce da cor, uma ascensão social. Para a sociedade da época, ser branco era ser superior. Um grande erro, provado durante o curso da história.
Hoje, a mudança da sociedade faz com que o branco queira ser negro, muitas vezes, para entrar na disputa pelas cotas nas universidades, para sentir-se como a maioria do povo brasileiro.
Não há certo, nem errado, há uma mudança de pensamento da sociedade, estamos mais flexíveis com relação às alterações sociais.
É importante perceber que quando o futebol foi criado, a comunidade escravocrata não estava inserida no contexto social. O esporte foi criado e praticado por brancos, ingleses, europeus e posteriormente, pelo povo brasileiro. Aqui no Rio Grande do Sul, o primeiro clube surgiu em 1900, o Sport Club Rio Grande; e a abolição da escravatura não tinha ainda nem completado duas décadas. Mesmo com esta transição lenta, como é comum em qualquer sociedade, o Bangu já ousava ao escalar o seu primeiro homem “de cor” em 1905.
Aos poucos, o Bahia, o Vasco da Gama e o Fluminense quebravam o preconceito em relação às raças. Em 1914, um negro chamado Carlos Alberto maquiava-se com “pó de arroz” e vestia a camisa do Fluminense, tentando disfarçar sua cor.
No Rio Grande do Sul, um Estado colonizado basicamente por alemães e italianos, a inclusão era ainda um processo mais lento e complicado. Mas já mostrávamos sinais de mudanças, exemplo disso seria o time do Guarany de Bagé, campeão estadual de 1920, que mantinha negros e uruguaios na sua equipe.
Os negros começaram a organizar as suas ligas para poder jogar futebol. Em Porto Alegre foi criada a liga independente dos “Canelas Pretas”, após o ano de 1910. Uma década depois, em Pelotas, era formada a liga “José do Patrocínio”; já em Rio Grande formava-se a liga “Rio Branco”.
Em 1928, o Americano rompeu o preconceito, com Alegrete e Barulho; posteriormente o Internacional, com Dirceu Lopes; logo após, o Cruzeiro e o São José foram incluindo os negros nos seus plantéis. Mas os negros eram tolerados e não aceitos de forma ampla.
No Grêmio, a lenda do Tesourinha foi uma das maiores jogadas de marketing do futebol gaúcho. Tesourinha não foi o primeiro negro a vestir a camisa tricolor, mas ele era a pessoa certa para quebrar este paradigma.
Tesourinha era negro, simplesmente o maior jogador que já havia passado por aqui, estava jogando no Vasco da Gama, em idade avançada e louco para voltar ao Rio Grande do Sul. O bom relacionamento dos dirigentes do Grêmio com os dirigentes do Vasco da Gama, a instauração de uma nova era, a transição do velho estádio da Baixada para o novo estádio Olímpico eram os pontos fundamentais para a extinção do paradigma de racismo no clube germânico.
Mas antes de Tesourinha, desfilaram mais de duas dezenas de negros. Laxixa, Mário Carioca, Hélio, Prego, Jorge, Hermes Conceição. Antes do primeiro negro vestir a camisa colorada, Maldonado, Saraiva, Silva, Neco e Adão Lima já haviam suado muitas camisas tricolores e conquistado muitas vitórias.
Os “filhotes do Grêmio” – hoje considerada uma espécie de categorias de base – possuíam na sua equipe da década de 20 vários jogadores negros.
Mas, ironicamente, um clube considerado racista por muitos até hoje, é um clube popular e pioneiro.
Falar que o Grêmio é um clube racista é, no mínimo, não ser conhecedor de sua gloriosa história.
O Grêmio possui a maior torcida do Estado, e consequentemente, a maior parcela de negros na sua torcida. O autor do terceiro hino tricolor, vigente até hoje, era negro. A única estrela constante na bandeira tricolor é em alusão a um negro, Everaldo. E cabia ao Grêmio ter em seu quadro associativo um negro, há exatos cem anos.
Naquele dia histórico, Bowel, Deppermann, Geyer, Py, Ely, Bento, Correa, Antunes, Gertum, Chico e Carlos mostraram a grandeza do Grêmio e aplicaram 9 gols no Nacional. Carlos (4), Correa (4) e Ely “cravaram” na história o orgulho de ser gremista e modelo para os demais clubes.
Parabéns Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense.
Fábio Mundstock / Pesquisador